Desafios na transição para uma vida menos deludida

04/10/2023
Publicado em Ensinamentos
04/10/2023 Mosteiro Suddhāvari

Trecho de uma sessão de perguntas e respostas com Ajahn Mudito

Pergunta:
Tenho lidado com essa percepção de como eu carreguei visões tão equivocadas da vida, e eu tenho entrado em contato com muita solidão por conta dessas percepções que eu tinha, por exemplo, eu achava que eu sempre teria saúde. Eu achava que minha família sempre seria um apoio pra mim, que eu sempre estaria acompanhada e essas coisas todas têm se desfeito. Mais recentemente, tenho sentido muita fadiga, muito medo de morrer, medo de muitas coisas e muita solidão. Queria te pedir palavras de motivação, acho que todos os ensinamentos que nesse trajeto têm me feito entrar em contato com essas realidades, de desfazer falsas crenças já são uma evolução, mas ao mesmo tempo lidar com o medo, à medida que eu não tenho uma concentração tão firme… E eu achava que era uma pessoa que tinha mais estrutura, mais força e me dá uma frustração muito grande quando vejo como me falta estrutura. Eu sei que tudo é uma questão de tempo, mas se o senhor puder falar algo a respeito, palavras de incentivo, de motivação…

Resposta:
Não! Não, porque motivação é muito fraco, motivação é falso, motivação não dura nada. Motivação que vem de fora não dura nada. Você está só assoprando a ferida. Na verdade, para esse nível que você está falando, não tem uma palavra ou duas que alguém diga e pronto: “estou me sentindo melhor”. Esse tipo de coisa não funciona assim. Você tem que desenvolver algo dentro de si mesma para carregar você, ser o seu apoio durante uma transição como essa. Não tem como dizer com certeza o que é que vai ser, você tem que descobrir sozinha. Pode ser qualquer coisa. Pode ser paz, pode ser gratidão, pode ser humildade, pode ser o apreço pela verdade. É uma coisa que pra mim sempre foi muito forte. Sempre que eu descobria uma mentira muito óbvia, e você perde aquela ilusão, o primeiro movimento é ficar triste: “puxa vida, isso aqui era falso!”, mas eu logo conseguia voltar: “ah! Mas agora eu sei a verdade e essa verdade é mais valiosa do que essa ilusão”. Eu sempre tive um apreço muito grande pela verdade, uma coisa que pra mim foi muito útil. Antes de virar monge eu já tinha isso. Eu me lembro claramente que quando era moleque, eu pensava isso: “eu não tenho exigência nenhuma, eu só quero saber qual a verdade, não faço exigência que ela seja boa, que seja ruim, estou aberto a qualquer coisa. Se você falar: a verdade correta é que tudo é um inferno e o demônio e o Satanás é o correto… Está bem! Me fale a verdade, não importa se é o demônio ou se é Deus, se é Jesus ou Jessé (risos)… Não importa, eu só quero saber qual é a verdade. Para mim, isso sempre foi muito forte e muito presente. Então eu nunca tive muitos problemas com essas coisas, apesar de já ter passado desilusões muito grandes.

Todo mundo investigando a mente vai passar por isso. Desilusões: o que você achava que era verdade, você descobre que é mentira com relação a si mesmo, com relação ao mundo, com relação a tudo, né? Mas pra mim: “ótimo! quanto mais ilusões eu perder, melhor! Quero perder o máximo possível de ilusões, não importa se elas eram agradáveis ou não, não estou aqui pelo agradável, estou aqui pela verdade. Eu não tenho exigências com relação à verdade, não quero que a verdade seja agradável ou bonitinha, não quero nada, só quero a verdade, é só isso que eu quero”. Ter essa atitude pra mim foi bastante útil, mas você não precisa ser assim. Eu só estou dando um exemplo.

Mas a sua mente precisa de algum refúgio, alguma ideia, alguma atitude que sirva de refúgio pra você, ou é a ideia da verdade, ou isso poderia se expressar também na forma de gratidão: “ah! que bom que eu venci essa ilusão”. Você pensar em quão raro e quão necessário são pessoas sábias nesse mundo… “Poxa, cada ilusão que eu perca é mais um passo para eu me tornar uma pessoa sábia. Tomara que um dia eu chegue a um nível que eu consiga ser útil pras demais pessoas. Cada passinho que eu dou aqui, estou mais perto de um ponto em que eu vou poder ajudar as demais pessoas”. Você tem que ter alguma forma de encarar esse assunto, de se por perante esse processo, essa transformação, que não resulte em você perder a energia, a sua harmonia, o seu bem-estar.

Você tem que pensar por si mesma, você tem que olhar para si mesma. Tendo bem-querer por si mesma, enxergando a importância do processo que está sendo realizado: “essa é uma tarefa que eu preciso cumprir, eu preciso arrumar um jeito de me por perante isso de maneira saudável, de maneira sábia”. Como vai ser essa sabedoria? Não importa. O importante é que ela seja. Esse tipo de coisa tem que vir de você mesma. Pedir para outras pessoas darem encorajamento não vai resolver, porque este é um assunto estrutural, não é um assunto temporário, é um assunto permanente, um assunto estrutural e tem que ser feito de maneira correta, e a única pessoa que vai conseguir fazer isso de maneira correta é você. As demais pessoas servem de exemplo, servem de inspiração, mas no final das contas é você que tem que fazer isso, então use um pouco da sua criatividade.

Use sua criatividade, sente-se consigo mesma e trabalhe nesse assunto. Sente em silêncio, use sua criatividade, use seu bem-querer, suas boas qualidades, traga elas à frente e junte o pessoal: “Galera, chega junto aí. E aí, o que nós vamos fazer? ” Chame suas boas qualidades para dar opinião, não chame suas más qualidades para dar opinião não, porque elas já dão opinião sem você pedir (risos). A raiva de si mesmo dá opinião toda hora. Ninguém pediu opinião, ela dá opinião, medo dá opinião, ninguém pediu: “ah, eu acho que vai dar errado..” (risos), ele gosta de dar opinião. Então chame as boas qualidades e peça a opinião delas: “e aí, galera, o que vocês têm a dizer sobre isso, o que a gente faz aqui?”

Fazer isso também é um gesto de respeito para consigo mesma. Pedir pros outros fazerem isso por você é como desrespeitar a si mesma. Para esse tipo de coisa, tem que ter um pouco de confiança e fé em si mesma, senão não vai andar pra frente nunca esse negócio. Imagina: a cada vez que as coisas dão errado ter que pedir conselhos pros outros…(risos). Nossa senhora! É muito trabalho, é desrespeito por si mesma. Você tem sabedoria, você tem boas qualidades, você tem que dar oportunidade pra você mesma resolver esse problema, senão você está sendo desrespeitosa consigo mesma. Pelo menos eu penso assim, não sei…

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