Só quero saber do que pode dar certo

17/01/2023
Publicado em Ensinamentos
17/01/2023 Mosteiro Suddhāvari

Palestra dada em 11/09/2022. Gravação original: https://www.youtube.com/watch?v=mfpqULRpg2s#t=2573s

 

Um dos segredos para ter sucesso na prática de meditação é aprender a focar a mente naquilo que dá certo e não ficar obcecado com aquilo que está dando errado. As pessoas vão sentar em meditação e em vez de focar na respiração, ficam focando no barulho que está incomodando, no pensamento que está incomodando, na sensação do corpo que está incomodando, ficam focando no cheiro que está incomodando em vez de focar na respiração. Na verdade, se elas parassem de esquentar a cabeça com aquilo que é irritante e tivessem mais interesse naquilo que é pacífico, não seria tão difícil praticar meditação. 

Não precisa ter um local muito silencioso, não precisa ter tanto suporte para você meditar. É por isso que às vezes é útil meditar num local não muito bom ou então meditar em situações difíceis às vezes é útil. 

Eu mesmo acho que tive essa experiência estando lá no Mosteiro do Luang Pó Piak. Não era um local ideal:  barulhento, quente para caramba, cheio de mosquito, cheio de todo tipo de obstáculo para a prática de meditação, então, teoricamente, não era um local bom para praticar meditação, mas o problema é que ele era tão ruim, mas tão ruim, que falei: “Bom, não tem mais nada para fazer, não tem nenhum recurso aqui, não tem para onde fugir. A única solução que eu tenho é praticar meditação. Não tenho dinheiro, todos os recursos que as pessoas têm para aliviar os problemas delas, eu não tenho. O único recurso que eu tenho é a meditação, todo o resto não está presente”. Não tinha nenhuma pessoa que eu conhecesse ali, eu não sabia falar a língua direito, não tinha para onde fugir do calor, não tinha para onde fugir do barulho, então você tem que fugir para dentro. Se para fora não tem para onde ir, você se volta para dentro. No desespero, você acaba achando um jeito de fazer aquilo dar certo. 

Antigamente também, muitos monges relatam, quando você vê as biografias desses mestres, muitos deles relatam experiências semelhantes de terem grande progresso na prática deles em momentos de extrema dificuldade, quer seja doença, fome, ou quer seja perigos de animais, tigre, elefante, cobra, malária, todo tipo de doença. Você está morando na floresta, no meio do mato, não tem médico, não tem para onde correr, não tem para quem pedir ajuda. O jeito é praticar meditação. Não tem nenhum apoio externo. A pessoa ou encontra refúgio interior ou ela sofre e não vai aguentar aquele sofrimento. 

Então, às vezes é útil. As pessoas fazem contato com alguma coisa que é irritante e pensam “Bom, isso aqui é um obstáculo para minha prática.” e aí ficam ali paradas, olhando para aquele obstáculo, obcecadas com aquele obstáculo. Na verdade depende de você, se for uma pessoa inteligente isso pode ser um auxílio à sua prática, só depende de quão sábio você é. Como as pessoas não são sábias, a gente tenta fazer um esforço para ter um local pacífico, um local sem muito barulho, sem muitas distrações, um local que não gere preocupações. Mas se vai mesmo haver preocupações ou não, é impossível dizer com certeza porque depende das pessoas. Se a pessoa quiser sentar aqui e começar a achar assunto para ficar irritada, ela acha. A pessoa consegue ficar irritada com o barulho dos pássaros, não importa, depende de quem está sentado. 

Não tem como você dizer que o local é pacífico. Quem tem que ser pacífico é a mente das pessoas que estão ali, o local não tem como ser pacífico, você é que tem o dever de ser pacífico. Então a gente faz o possível, mas não tem como garantir nada. Quem pode garantir isso são vocês. No final é ali, é na sua própria mente, onde tudo isso ocorre. Uma das coisas importantes é começar a treinar a mente a fazer isso: não ficar obcecada com tudo que está errado e ensiná-la a olhar e prestar atenção no que está certo. 

Quando as pessoas vão sentar em meditação, elas colocam a atenção na respiração e a mente escapa, aí ela fica com raiva. O ego agarra aquilo. O fato da mente ter escapado: a gente agarra aquele ponto. Mas o ponto em que a mente está prestando atenção na respiração, mesmo que por apenas alguns segundos ela conseguiu suster e sentir a respiração, a isso ninguém dá importância, ninguém acha que isso é valioso. Aquilo não ocupa a minha mente, o que ocupa a minha mente é o fato que eu me distraí. “Oh, que diabos, eu me distraí, eu não consigo fazer, dá tudo errado…” (risos)  Quando a mente volta para a respiração, ninguém fica feliz, ninguém se lembra: “Ah, que bom! Consegui voltar à respiração”. A pessoa volta para a respiração com raiva: “Oh, que droga, acabei me distrair”. Aí, você volta para a atenção à respiração com atitude de raiva, de irritação, mas na verdade era para você, quando perde a atenção, deixar pra lá. Tudo bem! Tranquilo! Isso não é importante. O importante é quando eu consigo voltar a atenção para a respiração, aí sim, tem algo importante acontecendo, o fato de eu ter me distraído não é importante, o que é importante é eu ter conseguido trazer a atenção de volta para a respiração.  

Quando você volta a atenção para a respiração, aí sim você deveria fazer um estardalhaço: “Ah, que bom, agora voltei à sanidade. Que bom, excelente, agora estou são novamente, agora eu voltei à prática.” Aí você tem uma sensação de felicidade, de bem-estar, de deleite: “Oh! Parabéns, agora voltamos à meditação, que bom!” As pessoas não dão importância ao ponto em que elas voltam à meditação, elas só dão importância ao ponto em que elas perdem a meditação. Elas ficam irritadas, ficam com raiva, ficam frustradas ficam impacientes… Quer dizer, elas só prestam atenção naquilo que é irritante. Àquilo que é positivo, elas não dão importância. 

Esse é um dos bons truques que eu aprendi com relação à meditação: você aprender a não dar energia para os fracassos e dar energia para as vitórias, mesmo para as pequenas vitórias – não importa quais sejam elas, as mais patéticas que sejam, e aplicar energia naquilo. É como aquela música antiga: “só quero saber do que pode dar certo.” (risos) Interessa a parte que está certa, a parte que está ruim, que se dane: “Eu me distraí”,tudo bem, que se dane. Não é isso que eu vim fazer aqui, me distrair, eu vim aqui para acertar. A parte que interessa é a parte que acertou. Esses dois segundos que eu consegui manter a mente na respiração, é essa a parte que é importante. Essa é a parte que tem valor, a distração é de menos. Isso não é o que eu vim fazer aqui, não é meu assunto. Então que se dane a distração, o importante é a parte que deu certo. 

Temos que reeducar a mente a fazer isso. É por isso que nos retiros eu não gosto de responder perguntas. Aqueles retiros em que você vai lá e faz uma entrevista com o mestre…(risos) Eu não gosto de fazer isso, porque aquele problema vira um assunto, vira um evento. A pessoa traz o problema: “Esse é o problema, eu conversei com o mestre sobre esse problema, isso é muito sério…” (risos) Cria um assunto ao redor do problema, e como eu já disse um milhão de vezes: problema é algo que você joga fora, problema é para ser jogado fora, problema não é para resolver, problema não é algo que se deve resolver, problema é algo que se deve jogar fora. Resolver problema é só quando jogar fora não deu certo mesmo, você jogou fora umas duas, três vezes, e o negócio não foi embora: “Ok, vamos resolver isso então. Plano B, vamos resolver essa porcaria.” Mas o ideal é jogar fora. Porque a questão é: não tem limites para quantos problemas você vai enfrentar, quantos sua mente vai criar. Se você vai parar para resolver cada um deles, você vai passar o resto da vida resolvendo problemas. Não vai acabar. Ainda mais se você é uma pessoa que tem o hábito de criar problemas, nunca você vai conseguir pacificar sua mente, porque você resolve um, a mente cria outro, resolve um, ela cria outro, resolve um, ela cria outro. 

A pessoa mora na cidade: “Ah, aqui é muito barulhento, não vou conseguir, eu vou pro mosteiro.” Vai pro mosteiro: “Ah, aqui tem mosquito, tem formiga, tem sei lá o quê.” Não tem como. “Ah, tá muito silêncio aqui. Não dá para meditar aqui.” (risos) Nunca acaba, nunca acaba isso. Como eu falava a semana passada: às vezes o cara fica tão preso nesse processo que mesmo virando monge fica reclamando: “Ah, eu quero ficar em isolamento total, ter que acordar de manhã para recitar os cânticos, sentar em meditação com os demais é um obstáculo à minha prática.” Puxa, se meditar e recitar palavras do Dhamma é um obstáculo à sua prática, então danou-se. Acho que agora é melhor desistir logo de vez, não? Pelo jeito não vai dar certo. Se até isso é obstáculo para sua prática, então não tem esperança, fazer o quê? O que que vai dar certo? 

Você não pode deixar a mente ficar obcecada, criando e obcecando com problemas. Tem que ensinar a mente a prestar atenção naquilo que dá certo. Então, com relação à meditação, você não silencia a mente. Você não silencia a mente. Na verdade, o que você faz é parar de prestar atenção nos pensamentos. Não é que você tenha que silenciar a mente. Você tem mesmo é que parar de prestar atenção nos pensamentos. Esse é que é o segredo, realmente. Se você me perguntar: “Ajahn, quando a mente fica pacífica, os pensamentos param?” Sinceramente, eu não tenho como garantir que seja isso, talvez não. Para saber com certeza, teria que colocar aquela máquina, colocar aquelas sondas que ficam medindo o movimento dentro do cérebro. Só assim para saber se realmente cessa, ou não. Se eles colocarem a máquina e ela mostrar que o pensamento continua, faz sentido. Não é surpresa para mim. Não seria surpresa descobrir que, mesmo quando a pessoa está em samadhi, os pensamentos continuam. O que acontece é que a pessoa não está mais prestando atenção. 

É como quando você está assistindo um filme, se você está absorto na história do filme, você não ouve mais sons, aquilo que está acontecendo ao seu redor desaparece completamente. Você não ouve mais o barulho dos carros, você não ouve mais barulho das pessoas conversando. O seu cérebro é sugado para dentro daquele filme. A meditação também pode ser assim. Mas eu acredito que realmente chega uma hora em que os pensamentos cessam, se você realmente pacificar a mente. O que acontece é que quando você pacifica a mente, a mente fica muito agradável, as emoções se pacificam junto, não são só os pensamentos que se pacificam, que cessam. 

Não há segredo para mente se pacificar, o segredo é você perder o interesse, você perder o interesse pelos barulhos, perder interesse pelo desconforto físico, perder o interesse pelos pensamentos, perder o interesse pelas sensações como um todo. Qualquer tipo de sensação que não seja o seu objeto de meditação, você simplesmente perde o interesse. 

Não é uma questão de fazer a sensação desaparecer, é questão de parar de esquentar a cabeça com essa sensação, parar de esquentar a cabeça com as sensações do corpo, parar de esquentar a cabeça com as sensações emocionais, com a raiva, com a ansiedade, com o medo, etc. 

O certo, certo mesmo é isso, mas as pessoas não conseguem. Elas não conseguem fazer isso, então em geral você fala: tente trazer a emoção oposta, se você está com muito medo, tente trazer a coragem, se você está com muita ansiedade, tente trazer a tranquilidade, etc., para tentar anular, tentar achar um ponto de equilíbrio. Mas eventualmente as pessoas aprendem. No começo, como elas não tem esse tipo de sutileza mental para simplesmente parar, simplesmente largar o assunto, elas não conseguem enxergar esse ponto. É difícil para uma pessoa conseguir fazer isso sem ter experiência com o assunto. Então você tenta usar o estado mental oposto, ou alguma linha de raciocínio que gere o estado mental oposto. Se a pessoa está muito preocupada com o corpo, você desenvolve um raciocínio que leva a mente a não esquentar a cabeça com o corpo, e assim por diante.  Mas quando a pessoa consegue experienciar a mente pacífica, consegue entender como é que é esse processo da mente agarrando os objetos mentais – como o Ajahn Chah estava falando na palestra que ouvimos ontem – você começa a perceber: “Ah! Aqui está a mente agarrando os objetos mentais, é assim que ela agarra os objetos mentais e é assim que ela larga”. 

Quando você pacifica a mente, você vê ela largando as preocupações, aí ela fica pacífica. Aí, quando a mente começa a sair daquele estado de paz, ela começa a agarrar as preocupações de volta e você nota: “Aqui ela está agarrando, aqui ela está largando, aqui é a mente agarrando.”  Você enxerga esse processo: “Ah, então na verdade é isso, é só não agarrar, é só não pegar essas coisas, é só não focar, não se apegar, é só não agarrar essas sensações…” 

Surge uma sensação, você não tem obrigação de agarrar aquilo, surge a raiva, você não tem a obrigação de dizer: “eu estou com raiva”.  Você pode só dizer: “é a raiva, existe raiva, mas não sou eu, é apenas a raiva, é apenas uma sensação”. Com a dor física é a mesma coisa. Você pode perfeitamente dizer: “é apenas uma sensação, é uma sensação  olhá-la apenas como sensação. Um dos truques que muita gente aprende quando está com dor muito intensa é, você se dissociar da dor, não agarrar a dor, não ter a atitude: “Essa dor é minha, essa dor é ruim.” Não, em vez disso, pense: “Essa dor é apenas o que é, é apenas uma sensação, essa dor pertence ao corpo, essa dor é uma coisa que o corpo faz, não sou eu, é apenas o corpo produzindo sensações como ele sempre faz. Mesmo que essa dor desapareça, alguma outra sensação vai continuar existindo, então é apenas o corpo fazendo sensações, como ele sempre faz, não tem nada demais.” Se você conseguir largar dessa forma, não agarrar a dor, ela não é tão má assim, é apenas uma sensação. Não é tão terrível assim na verdade. A sensação em si não é nada demais, o que é ruim mesmo é o medo, a raiva, a ansiedade, a preocupação, o terror, o pavor, o pânico. Isso sim é terrível, mas a sensação, não. A gente vê que dá para aguentar isso aqui, dá para aguentar. Por mais terrível que seja, a dor mais intensa, se a pessoa tiver a mente tranquila e sábia, não é insuportável. Tem poucas dores que são insuportáveis, dores físicas, né? São poucas as que são insuportáveis. Para uma mente sábia, não tem nenhuma dor que seja realmente insuportável. 

O que é insuportável é o medo, é o pavor, o pânico, a raiva: “Isso não deveria estar acontecendo, é errado, não deve ser assim, não quero que seja assim, eu quero que seja de outro jeito, isso não está certo”.  A pessoa entra num ciclo de autoimportância: “Eu não mereço isso” (risos), ou o que quer que seja. A dor só fica insuportável mesmo, quando a mente começa a adicionar sofrimento em cima dela, mas a dor física não é nada demais, não é tão terrível assim. Mosquito picando não é tão terrível assim. Na verdade, mosquito picando é pior do que dor física, é uma sensação mais intensa. É realmente intensa a sensação do mosquito picando, só que ele não gera tanto medo como a dor de uma doença, por exemplo. Mesmo um mosquito, as pessoas não aguentam, imagina a dor da doença! Mas em geral, as pessoas aguentam mais o mosquito do que aguentam a doença, porque o mosquito não gera pânico, não gera depressão, não gera medo da morte. Mas se você olhar a sensação, é mais intensa a sensação de um mosquito picando. Mas mesmo isso dá para tolerar. Você aprende a fazer. Os monges aprendem a fazer isso. Para quem já viveu na Tailândia como monge, faz parte da vida tomar picada de mosquito, é normal. Aqui no Ocidente há essa expectativa: “eu vou morar aqui, e nenhum mosquito vai me picar”. Na Tailândia, pelo menos como monge é: “Eu vou morar aqui e eu vou tomar picada de mosquito, faz parte. A minha experiência vai ser essa”. Você senta lá de manhã, a sala de meditação não tem proteção contra mosquito, às vezes não tem nem parede, a sala é a céu aberto, você senta e os mosquitos vêm picar. “Vamos lá! Agora, cada um com seu negócio, o assunto de vocês é picar, o meu assunto é meditar, então você faz o seu serviço de picar e eu fico aqui meditando, cada um com seus problemas”. Então você aprende a largar o assunto, não deixar a mente se obcecar com aquilo que não é assunto seu. “O assunto da picada e da sensação é problema do corpo, não é problema meu, meu problema é meditar. Não vim aqui para virar guarda de trânsito de mosquito, para ficar ali controlando: qual mosquito vem, qual mosquito vai, quem está picando, quem não está picando. Isso é problema de vocês. Eu não virei monge para isso. Eu virei monge para praticar meditação.  Então quem quiser picar ou não picar, é problema de vocês, meu assunto é a respiração, o resto não é problema meu.” 

Você desenvolve uma atitude e aí consegue direcionar sua mente para aquilo que dá certo. Nunca ouvi falar de ninguém alcançar samadhi meditando sobre picada de mosquito. Você alcança samadhi focando na respiração. Então meu assunto não é a picada, meu assunto é a respiração: anapanasati, não é mosquitosati, é anapanasati. Você ganha maestria sobre a sua mente, você escolhe o que que a mente vai fazer, não é a mente que decide onde é que você vai prestar atenção. Não são as kilesas que decidem onde você vai prestar atenção. É o seu desejo pelo Dhamma que decide onde você vai prestar atenção. É assim que você começa a virar o jogo, virar o jogo contra as kilesas. Antigamente você perdia, estava na defensiva, você começa a empatar o jogo, e depois do empate, você começa a ganhar o jogo. Você começa a ter mais força sobre a sua mente do que as kilesas. É aí que fica divertido praticar meditação, vira um prazer, a pessoa sente deleite em praticar meditação. 

Vale a pena se dedicar e fazer esforço até você conseguir virar esse jogo. As pessoas praticam meditação que nem tomando remédio homeopático, mas na verdade, você deveria realmente pegar para valer e se dedicar de maneira inteligente, não de maneira gananciosa e raivosa ou preguiçosa. Porque tem gente que acelera muito a prática por preguiça: “Já sei, vou acelerar muito a minha prática, aí vai dar certo, não vou ter que experienciar todas essas dificuldades. Vou sentar quinze horas por dia e aí pronto.” Mas na verdade isso é uma preguiça. A pessoa está querendo cortar etapas, está querendo não ter que lidar com todo o processo de aprendizado, ela quer algum ritual mágico que faça os problemas desaparecerem. “Se eu tentar 20 horas por dia, os problemas desaparecem e eu vou me iluminar.”, mas não é bem assim que acontece. Essa é uma preguiça e uma ganância. Desse jeito não dá certo. Mas se a pessoa tiver dedicação firme, dedicação séria, dedicação profunda à prática, ela vai aumentar de maneira saudável, de maneira inteligente, ela vai aumentar a quantidade de tempo que ela pratica. E não só a quantidade de tempo, a quantidade de tipos de prática que ela realiza. Ela não pratica meditação só sentada com as pernas cruzadas, não pratica meditação só em horários específicos. Todo o dia a dia dela passa a ser uma prática de Dhamma. É um assunto que está constante na mente dela. Quando o assunto está constante na mente dela, ela faz progresso, e quando ela faz progresso, o jogo começa a virar: a parte que está ganhando a partida passa a ser a parte do Dhamma. O time das kilesas começa a perder. Muda a qualidade da prática da pessoa. 

Esse também é um bom resumo do assunto: aprender a se dissociar das sensações, perder a obsessão por sensações. Não importa qual sensação, não há diferença: sensação de dor, sensação de prazer, sensação de preocupação, sensação de tristeza, sensação de alegria, sensação de calor, de frio, sensação auditiva, olfato, paladar, não importa. Simplesmente aprenda a dissociar a mente das sensações. A experiência que as pessoas têm quando fazem isso é de perder interesse pelas sensações. Não interessa mais. “Estou sentindo isso.” E daí? Não tem importância. Antigamente, as pessoas vinham: “mas eu estou sentindo isso, Ajahn!” Dane-se. Estou pouco me lixando (risos). Não importa. Pode sentir o que você quiser, não importa. Todas as sensações têm que ser abandonadas para desenvolver samadhi, exceto a sensação que é o seu objeto de meditação, ou a sensação que não é um obstáculo para samadhi. Como eu falei: a sensação de bem-querer, a sensação de tranquilidade, a sensação de coragem, a sensação de humildade, etc. 

Se a sensação não agita a mente, ótimo, não tem problema. Se ela ajuda a pacificar a mente, ótimo, então pode focar nessa sensação, mas qualquer outra sensação que seja, que se dane. “Ajahn, quando eu sento em meditação, eu sinto ansiedade.” Não importa. Dane-se. “Eu sinto raiva.” Dane-se. “Eu sinto (risos)…” Dane-se, não importa (risos). A resposta correta mesmo seria essa, mas se eu falar isso, ninguém ouve.  Então você diz: “tudo bem, tente relaxar, tente pensar assim, tente ter bem-querer”, mas a resposta boa mesmo, a que vai direto ao assunto é “dane-se!” (risos). Mas se você responder isso, ninguém ouve. Todo mundo levanta e vai embora, mas a resposta que seria a resposta verdadeira seria essa. Mas ninguém consegue fazer isso, então apesar de ser a resposta correta, não é a resposta útil. Então você tem que conversar, quando você conversa com doido, você tem que fingir que é doido também (risos): “Ah, tente relaxar, tente não esquentar a cabeça, tente mandar bem-querer”, mas o correto é “Dane-se, apenas foque na respiração, relaxe.” é só isso. Mas ninguém consegue fazer isso, então não adianta responder assim que não dá certo. 

Você não chega a esse insight através de pensamento, ou através de volição, porque não é uma experiência que a mente tem. O seu ego, o seu “eu” não tem essa experiência. Não tem como você dizer para o ego: “pare de sentir, pare de esquentar a cabeça com essa sensação.” Ele não sabe fazer isso. A única coisa que ele fez a vida inteira é existir em termos de sensações: “eu sou essa sensação”. Ele não tem um ponto de referência para conseguir largar a sensação e nem sabe como é que é esse movimento de largar a sensação. Nunca fez isso na vida, é difícil conseguir achar que a pessoa vai ouvir isso e simplesmente fazer. Em geral, o que acontece, o processo natural é: a pessoa vai tentando de toda maneira, usando todos os recursos que ela tem, tentando fomentar boas sensações, tentando fomentar bons estados mentais, tentando abandonar maus estados mentais, aprendendo a lidar com a própria mente, aprendendo a focar a mente, aprendendo a relaxar a mente, até que ela começa, de vez em quando, a experienciar a mente pacífica. Por acidente. Ela está ali, e, pup! A mente se pacifica um pouquinho. “Hum! Interessante”, aí mais um tempo se passa e ela consegue de novo: “Ah! Agora estou entendendo, é só não agarrar as sensações”. Vira uma experiência real para ela, o ato de não agarrar as sensações vira uma experiência real. Aí sim, ela pode usar a volição e falar: “eu não vou agarrar as sensações”. E aí pronto, ela não agarra as sensações, porque agora sim, virou realidade. Aquela experiência agora é uma realidade, antigamente era apenas uma ideia, apenas o monge falando tal coisa, mas agora é uma realidade. A pessoa enxerga com os próprios olhos como a coisa funciona. E aí sim, vira algo factível: “eu vou fazer isso voluntariamente, eu vou não agarrar sensações”. Aí você senta e não agarra sensações. Pronto, não tem problema. As sensações não desaparecem, mas tudo bem! Jamais foi essa a ideia, de que as sensações iriam desaparecer. O importante é eu não esquentar a cabeça com elas. Deixe elas serem o que forem. As sensações fazem parte do corpo, não é problema meu, e as sensações mentais também, todas aquelas que são obstáculos à minha prática não são do meu interesse. Os únicos estados mentais que são do meu interesse são os estados mentais que são conducentes à minha prática. 

Você nem mais faz um esforço para se livrar da raiva, por exemplo. Para quê? Que se dane a raiva. Não tem mais necessidade de fazer a raiva desaparecer. “Que se dane ela. Se quiser ficar com raiva, fique, não estou nem aí. Meu assunto é meditação.” (risos) Não tenho nem palavras para dizer isso. É irrelevante essa obsessão com emoções: “Que emoção é essa? O que que eu estou sentindo?” (risos) Não importa. Nada disso tem importância nenhuma. O Buddha dizia:  é apenas como se fossem bolhas de sabão. Pup, pup… Ficam ali surgindo e explodindo toda hora. Normal! A mente faz isso, a mente cria sensações, o corpo cria sensações, a mente cria sensações. Normal! Não tem nada demais. Onde você foca sua mente é onde você existe, onde você foca a sua mente é onde você existe. Se você quer existir em dor e sofrimento, você foca nas sensações que levam à dor e sofrimento. Se você quer existir em bem-estar e tranquilidade, você foca nas sensações que levam ao bem-estar e felicidade. Se você quer existir no Dhamma, você quer existir na prática que leva a iluminação, você foca nos objetos mentais, nas sensações que levam, que são conducentes ao progresso na prática do Dhamma. É basicamente isso. É uma forma diferente de expressar a mesma coisa, o mesmo assunto expresso de uma maneira diferente.

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